segunda-feira, 13 de abril de 2009

COMO ZAQUEU...

CRÔNICA: O hit mais badalado nas últimas semanas em todo o território nacional, inclusive nas rádios seculares, tem literalmente “mexido com as estruturas” do cenário litúrgico da igreja evangélica brasileira...

Sempre que um fenômeno surge no cenário evangélico (gospel para os mais contemporâneos), geralmente ele suscita algumas reações. Duas são praticamente inevitáveis: o frenesi e a contestação. A minha função não é nem aplaudir nem ridicularizar, mas analisar.

O hit mais badalado nas últimas semanas em todo o território nacional, inclusive nas rádios seculares, tem literalmente “mexido com as estruturas” do cenário litúrgico da igreja evangélica brasileira. E a minha formação teológica e compromisso ministerial exigem um posicionamento bíblico contextualizado.

Como Zaqueu... – assim inicia a música. Mas, afinal, que Zaqueu é este?

O sujeito bíblico não desejou em nenhum momento subir “o mais alto” que pudesse, por duas razões óbvias. A primeira, e essencialmente pragmática, sua estatura não lhe permitiria ver a Jesus do solo; a figueira serviu-lhe de apoio para ver a Jesus. A segunda, e fundamentalmente bíblica, embora o texto não diga a velocidade da subida, afirma, sim, que desceu apressadamente, pois o seu intento era receber Jesus em sua casa. Estranhamente esta letra me parece familiar dos escritos do profeta Isaías que em seu capítulo 14 e versículos 13 e 14, quando diz que “subirei acima das mais altas nuvens”. Um aluno mediano da escola dominical sabe a que se refere este contexto bíblico.

“E chamar sua atenção para mim” – prossegue o hit. Cabe aqui outro questionamento, de que maneira um sincero adorador chama a atenção de sua divindade? Nem precisa ser cristão prá responder esta questão. Católicos, islâmicos e budistas preferem inclinar suas frontes, alguns se encurvam até o chão para render reverência à sua deidade? O “Zaqueu” da canção prefere subir... Muito estranho, eu diria.

Apesar de a letra na sequência nos oferecer um alento sobre a nossa pequenez e a nossa dependência a Deus (“largo tudo pra Ti seguir”), em nenhum momento o “Zaqueu pós-moderno” decide descer das alturas – pelo menos não fica claro na música – talvez esteja subtendido subliminarmente.

É espantoso como as pessoas cantam sem ao menos “ler” o hinário contemporâneo projetado nos telões. Posso ser taxado de radical, mas apesar de simples e rústico, considero o meu culto racional. Eu me recuso a cantar algo que não condiz com a minha realidade espiritual. Ou seja, quando um cristão implora através de seus lábios “entra na minha casa, entra na minha vida”, afinal o que ele está querendo dizer? Qualquer aluno da classe “Cordeiros de Cristo” vai saber responder: é sinal que ele está do lado de fora. E se estiver?... Talvez não estejamos entendendo para quem é destinada esta canção. Quem sabe aqui esteja a riqueza da canção! Se a sétima carta apocalíptica foi direcionada ao anjo da igreja em Laodicéia, quem sabe esta não seja a “sétima” missiva para a “Igreja Meio Pentecostal dos Últimos Dias”. Laodicéia (conforme Apocalipse 3.14-22) era a mais rica das sete cidades que receberam uma notificação divina (ela era reconhecida por seu sistema bancário, manufatura de lã e sua escola de medicina). Mas o que a distinguia de fato das demais era as suas águas mornas provenientes de suas fontes de águas quentes. Quando uma igreja morna – como é o caso da igreja que representa a pós-modernidade – começa a suplicar que Jesus entre em sua casa, na verdade, ela nos sugere duas situações dialeticamente opostas: de um lado é lamentável que o Senhor da casa esteja do lado de fora, mas em contrapartida, a conscientização chegou e é um fato em muitas igrejas atualmente. Esta semana um desses pastores angustiados pelo movimento da neo-liturgia sugeriu à sua membresia que substituísse este refrão para: “fica na minha casa, fica na minha vida”. Ainda temos arautos de plantão!

Finalmente, é preciso destacar uma expressão, que, embora não comprometa, deve ser teológica e espiritualmente considerada. Quando se pede “mexe com minha estrutura”, está-se pedindo o quê, afinal de contas? Que estrutura é esta. É de ordem fisiológica? Ideológica? Mental? Ou seria espiritual? Seja qual for, uma outra questão urge: Ele pode mexer, mesmo? Teríamos nós “estrutura” para se deixar abalar pelo Todo-Poderoso? Uma geração que sequer questiona (à luz da Bíblia) o que canta estaria apta para o tratamento do Dr. Jesus e seus métodos nada convencionais? A impressão que tenho é que antes de nos dar ao luxo de procurar o especialista em mudar os caracteres fragmentados pela cosmovisão do sucesso, do hedonismo e da religião liberal, o ideal seria descermos da árvore de Nabucodonosor (Daniel 4) e nos matricularmos na escola do Mestre Jesus. A propósito, as matrículas estão (sempre) abertas.

Uma vizinha minha além das canções de um padre-cantor, um funk carioca e os sucessos de sua FM preferida, ela canta em alto e bom som o sucesso daneseano. Seria a globalização do evangelho? Mundialização ou mundanização? Com a palavra... O evangelho!

Assim como “nem só de pão vive o homem”, nem só de crítica sobrevive este cronista. Uma linha do refrão poderá fazer toda a diferença. “Me ensina a ter santidade” é muito melhor do que “sara todas as minhas feridas” por duas razões fundamentais. A primeira é que santidade não depende de ninguém além de mim mesmo para tê-la. A gente só aprende a ser santo, sendo santo. Eu preciso decidir mudar de vida. O apóstolo Paulo se antecipou à pós-modernidade ao recomendar: “E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento” (Romanos 12.2). A segunda é que é irreal sonharmos com a possibilidade de não termos mais nenhuma ferida. Ele pode e cura todas as enfermidades, mas isso não significa que eu estarei isento de dores e padecimentos.

Curiosamente, no original, Zaqueu significa “puro” ou “justo”. Bem diferente da figura do cobrador de impostos mais famoso e mais suspeito da história da cristandade.

A propósito, não seria mais sábio suplicar que o Mestre mexa em nossa estatura e em vez de nossa estrutura? Porque não fazermos nossa a proposta de João Batista: “Que Ele cresça e eu diminua”...

Até porque quanto menor eu for maior a sombra da Videira Verdadeira sobre o velho eu!


Fonte:
www.neirmoreira.com

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